domingo, 18 de março de 2007

Capítulo II: Pré-Sentimentos de um Passado Presente

Foi uma longa jornada. Todo seu corpo dói, padecendo de um cansaço que poucos seres suportariam. Não que tenha acabado de chegar de uma guerra, cavalgada, fuga ou algo assim. Simplesmente, sente o cansaço dos incessantes andarilhos, aqueles que, por mais que pretendam, nunca encontram no repouso, o conforto e a paz que encontram em cada pequeno passo de seu caminhar, em cada palmo de chão que percorrem, em cada singela experiência que vivem, em cada milagre que presenciam apenas pelo fato de estar em um movimento que, mais cedo ou mais tarde, com mais ou menos freqüência, os coloca no tempo e espaço onde os mais incríveis fenômenos acontecem.

E por mais que sua chegada tenha se dado há somente poucas horas, ele já sente saudade da jornada.

Repentinamente um relâmpago e seu retumbante trovão cortam o céu, tirando-o do torpor dos recém despertos. Como se carregada por um balde que foi virado, uma pancada de chuva se faz de tambor, ecoando gravemente dentro do alojamento onde ele acorda.

Mal se recupera do susto que trouxe sua consciência de volta, um grito desesperado chega, muito sutilmente, a seus ouvidos talentosos e bem-treinados. E em seguida desse, outros gritos surgem, gritos de alerta, gritos de guerra, gritos de desespero, todos entremeados por uma voz que se sobressai, vociferando duras ordens.

Com um rápido olhar, vê a porta de seu alojamento, feita de uma madeira velha e com aspecto de umedecida, porém mantida firme por algumas vigas e grandes pregos metálicos. Logo ao lado dela, lá estão: Armadura, bastão, grimório, sua funda, a pulseira que sua mãe lhe deu com as contas élficas que, séculos atrás, foi fabricada por um antepassado, seu livro de orações, mochila, cantil, ou seja, todo seu equipamento de viajante.

Imediatamente sua mão esquerda ergue-se até seu peito. Em um ligeiro movimento, ele o toca, sentindo o acalento de seu amado medalhão, símbolo sagrado de sua fé, onde a chama emoldurada pelas sete estrelas repousa carregando as bençãos e as responsabilidades que possui um servo da Senhora da Magia.

À sua volta, grossas paredes de uma pedra cor de chumbo, cujo aspecto também lhe faz parecer umedecida, lhe trazem, ao mesmo tempo, segurança e ansiedade. Raramente lhe agradou ficar em locais muito fechados.

Poucos móveis compõem seu alojamento. Há a cama, onde repousa, um baú em seus pés e um criado mudo a seu lado esquerdo, todos de madeira. Todos velhos, Todos úmidos E todos muito firmes, apesar de sua simplicidade e aparente fragilidade.

Enfim, não é exagero dizer que todo o ar que ele respira está tomado pelo odor de umidade que domina todo esse ambiente.

Como em um piscar de seus próprios olhos, ele está de pé, armadura vestida, bastão e funda à mão. Súbito, ele abre a porta de seu alojamento e segue à esquerda pelo corredor, em direção à miríade de vozes, passos e sons metálicos que se forma no pátio dessa tão acolhedora fortificação.

Suas pernas se encontram em um compassado e ligeiro movimento a toda velocidade. Sua mente já atingiu o estado superativo que assumem as mentes daqueles que estão prestes a encarar a morte que nos espreita a cada segundo.

No fim do túnel, a escuridão das carregadas e tempestuosas nuvens. Banhando seu corpo, os primeiros espirros da gélida torrente que o céu faz desabar sobre o forte. Em seus olhos, reflete-se o brilho quase cegante de um relâmpago. Em seus ouvidos reverberam, com a gravidade dos surdos tambores dos ogros, dois estrondos absolutamente nítidos e delicadamente desencontrados.

Em sua mente, com a intempestividade do relâmpago que ele acabou de presenciar, um brilho negro se forma...

(- Espere aí ? Dois estrondos ?)

Um agourento arrepio percorre sua espinha...

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