terça-feira, 10 de abril de 2007

Capítulo VI - Meio-Dia de um Enevoado Crepúsculo

Da mesma maneira repentina como abarcou tudo e todos, a luz do relâmpago se esvai. A tempestade de chuva, ventos e raios ainda castiga furiosamente o forte. Trovões disputam a supremacia sonora com os inúmeros gritos de fúria, dor, desespero e pavor que emanam das bocas daqueles que ofereceram sua vida em nome da vitória nessa batalha. O odor de terra molhada banhada em sangue e coberta por inúmeros corpos está se tornando quase aceitável, tamanha a sua persistência.

Em um canto isolado do forte, onde dois seres cujos sentidos concentram-se absoluta e somente em si mesmo e em seu nêmesis, nada disso importa.

Com a lendária agilidade de sua raça, Dorün, o elfo negro, move seu braço direito paralelamente ao chão, fazendo com que sua espada longa desenhe um amplo arco em direção ao lado esquerdo de sua cintura. Seu ataque atinge e corta lateralmente o abdômen de Kiren, o andarilho meio-elfo, antes mesmo dele terminar de levantar-se.

Do corte feito em sua armadura, desce o sangue do andarilho. Um efêmero brilho de satisfação surge nos olhos de Dorün, desaparecendo assim que o elfo negro repara que a armadura de Kiren está fechando o corte que ele havia feito na mesma.

(- Novos truques hein, mestiço...) – pensa o elfo negro.

Reagindo o mais rápido que consegue, Kiren posiciona defensivamente seu bastão prateado que, banhado por algum tipo de energia mágica, agora brilha como as estrelas noturnas.

No mesmo instante, Dorün faz sua espada descer em direção ao ombro direito de Kiren, tendo a infelicidade de vê-la ser aparada facilmente pelo bastão de seu adversário, o qual pareceu já ter previsto claramente o golpe.

Com os dentes cerrados e o semblante agressivo o elfo negro segura sua espada com as duas mãos e começa a força-la contra o cajado de Kiren. A força de Dorün é maior que a do andarilho e esse começa a ceder e se ajoelhar devido ao peso que se impunha a ele.

Os braços de Kiren fraquejam ligeiramente, assim com suas pernas e a espada longa do elfo negro se aproxima perigosamente de seu pescoço. Sentindo que se as coisas continuassem assim, sua vida chegaria ao fim, Kiren resolve correr os riscos de clamar por sua deusa em um momento de tão extenuante esforço.

Kiren inspira profundamente, concentra-se o máximo que pode e, com sua voz doce e melodiosa, murmura uma oração:

- Ó maravilhosa Mystra, toda poderosa Senhora da Magia, abençoe seu servo com a força dos maiores guerreiros que já batalharam em seu nome.

Súbito uma luz alaranjada surge no símbolo sagrado que o andarilho carrega em seu peito e, instantaneamente, cobre seu corpo todo. Os olhos de Dorün se apertam, raivosos.

O peso desaparece. Os braços e as pernas do andarilho mestiço se tornam novamente firmes e fortes, e o cansaço que ele sentia parece apenas uma desagradável e distante lembrança.

O rosto de Kiren se abre e ele sorri satisfeito. Mais um relâmpago banha de luz os ferozes antagonistas.

Nesse mesmo instante, em que a ofuscante luz do relâmpago abarca tudo e todos em seu brilho, com um rápido movimento, como se a mesma não pesasse mais do que um graveto empunhado por uma criança, Kiren empurra a espada de Dorün para cima, o que faz com que os braços do elfo negro sejam lançados para o alto, por sobre sua cabeça e para trás de seu corpo, fato que abre por completo as defesas do espadachim que, desequilibrado, dá um desajeitado passo para trás. Era tudo que Kiren desejava.

Fluentemente, como se um movimento fosse a exata e metafísica seqüência do anterior, Kiren, girando seu bastão, golpeia Dorün embaixo do braço esquerdo, atingindo-o, em seguida, com um golpe na boca do estômago, o qual tira Dorün do chão lançando-o, com grande força, por pelo menos três metros, contra uma das grossas paredes de pedras que compõem o forte.

Por isso, Dorün não esperava. A cada golpe do bastão do andarilho, a energia prateada e brilhante que o contorna se concentra em esferas brilhantes, as quais, por sua vez, causam pequenas explosões nos pontos do corpo do elfo negro que são atingidos pelos golpes de Kiren. O impacto e a dor que esses golpes causam são completamente visíveis nas expressões que surgem na face de Dorün cada vez que ele é atingido por essa arma.

Caído, após ser lançado contra uma parede e atingi-la com grande impacto, sentado, com as costas ainda apoiadas na parede e a espada em sua mão direita, colocada no chão como se fosse uma bengala a ajudá-lo a se levantar, Dorün, cuja mão esquerda cobre o local onde o último golpe do andarilho o atingiu, começa a se erguer, dizendo:

- Você melhorou muito desde a última vez, clérigo mestiço...

Lentamente, os olhos do elfo negro começam a subir do chão para o alto, sua visão mapeando todo o corpo de Kiren, que se encontra de pé e com o bastão firmemente empunhado em sua mão esquerda. Chegando ao rosto de seu adversário, o elfo negro percebe que o clérigo parece estar fazendo um grande esforço para conter uma profunda e enorme ira.

Súbito, a boca de Kiren se abre e palavras repletas de ódio e rancor começam a escapar por entre os dentes cerrados do andarilho. Sem gritar, mas falando cada vez com maior raiva, Kiren começa a dizer:

- Por que você nos traiu, Dorün ? Por quê ? Por quê ? POR QUÊ ?

Um relâmpago brilha e seu trovão reverbera por todo o forte, cujo chão encontra-se banhado em sangue e chuva, repleto de lama e morte.

Um comentário:

Mel disse...

Cavaaaa!!!
Já disse que eu sou fã dos seus textos. Se vc escrevesse 1 por dia seria a minha leitura antes de ir pra cama... hehehe

É claro que me incomoda um pouco o lado direito e o sentido anti-horário, mas foda-se. Você conta histórias muito boas e tem estilo.

Keep on going!