Mal os sons do trovão e o questionamento feito por Kiren ao elfo negro começam a reverberar pela fortificação, a mente do clérigo é lançada para o passado e imediatamente repleta das piores lembranças que o mesmo guarda em sua ainda curta, porém intensa, história de vida.
Das profundezas de sua psique, fugaz e brilhante, como um desses relâmpagos que caem incessantemente no forte que o clérigo andarilho se esforça para ajudar a proteger, surge uma noite escura, eclipse total de Selune, o mais aguardado momento pelos seguidores de Shar, a “deusa negra”, “senhora da perda”.
Em seguida dessa imagem, uma série de outras começa a tomar forma na mente de Kiren, iniciando uma numerosa seqüência de memórias que parecem tomar sua mente como uma turba de saqueadores.
Instantaneamente, Kiren se vê ao lado de seus antigos companheiros de jornada, entre eles Dorün, enquanto buscam a saída de um labirinto de túneis cavernosos existentes abaixo do Vale da Adaga, quando são cercados, atacados, dominados e capturados por seus arqui-inimigos, os elfos negros do Subterrâneo.
Dependurado e preso por correntes e grilhões feitos de um tipo de metal que causa ligeiras, mas muito dolorosas, queimaduras, na companhia de uns poucos companheiros de jornada que sobreviveram ao traiçoeiro ataque dos elfos negros, abandonado em uma estreita torre de pedra quase que completamente lacrada, Kiren padece das mais intensas e contínuas dores que jamais sentiu durante seu viver.
Em um breve momento de total lucidez, Kiren vê Dorün solto e completamente saudável. Tenta chamar pelo nome de seu amigo, mas não consegue. Prestes a desmaiar novamente devido às dores provocadas pelo metal que o prende, o clérigo de Mystra vê seu companheiro elfo negro trocar juras de amor e um lascivo beijo com uma clériga de Shar que parecia ser a líder desse antro de servos da “deusa negra”.
Em mais um brilho relampejante, o clérigo sente seu coração prestes a explodir e se consumir nas furiosas chamas da decepção que toma conta daqueles que são traídos por alguém em quem se confiava absolutamente.
Súbito, mais um intenso brilho, e uma voz familiar, vinda de um longínquo passado chega aos ouvidos de Kiren. Ele não a reconhece, mas seu espírito se enche de força e júbilo ao ouví-la.
Reunindo todo o praticamente nada de forças que lhe restam, o clérigo de Mystra abre seus olhos, os quais são imediatamente feridos pelas luzes arroxeadas que brilham a partir das tochas colocadas para iluminar o local.
Sua visão, inicialmente embaçada, lentamente vai voltando ao mais próximo do normal que é possível para o jovem clérigo naquele momento. Kiren mal pode acreditar.
Com seus olhos abertos e agora nítidos, Kiren se vê colocado cara a cara com seu amado irmão Luke, também clérigo de Mystra, com o qual não se encontrava há mais de dez anos. Sem forças para falar, Kiren apenas deixa que suas lágrimas desçam por sua torturada face.
Desafiando um impensável paradoxo, seu lacrimejar enche-se de uma alegria e de uma tristeza inimagináveis. Alegria, pois reencontrou seu irmão desaparecido há tanto tempo e ainda foi capaz de ouvir sua voz novamente. Tristeza, pois aquela era a última vez em que ouvia sua voz e podia olhá-lo com um mínimo sopro de vida em seu corpo, uma vez que tanto seu peito quanto o de seu irmão foram completamente transpassados por uma lança que o próprio Luke trouxe com ele.
Como se estivesse apenas esperando para olhar nos olhos de seu irmão caçula uma última vez, Luke deixa sua cabeça cair sobre o peito assim que vê as lágrimas correrem com extremo ímpeto pela face, agora sem vida, da pessoa que ele mais amou em sua vida, a qual ele criara como se fosse seu filho, aquela que, segundos atrás, ele teve de matar com as próprias mãos, enquanto os mais detestáveis sacerdotes e seguidores de Shar, incluindo Dorün, assistiam e sorriam debochadamente.
Enfim, em um instante, a centelha que mantinha vivo Luke Cadien se esvaiu nas trevas da amaldiçoada prisão da “senhora da perda”.
Debilitado e alienado de toda e qualquer força interior que possuía, Kiren nada mais conseguiu fazer além de permitir que suas lágrimas e seu sangue banhassem, quase que por completo, os trapos que cobriam seu corpo.
Se pudesse gritar, ensurdeceria a si próprio. Se pudesse lutar, entregaria toda a energia que possuía nesse combate. Se pudesse morrer, tiraria sua própria vida naquele exato momento. Nada mais importava. Não havia mais nenhum sentido, tampouco algum valor em permanecer vivo, a não ser por... a não ser... a não ser por Mystra, sua deusa, a toda poderosa Senhora da Magia.
Assim, naquele exato momento, quando se esvaia a vida que um dia esses clérigos possuíram, como se sua misericórdia houvesse sido mais do que evocada, convocada pelas almas abençoadas dos irmãos sacerdotes, o arrojado e agora liberto em sua morte, Luke Cadien, e o desesperado e absolutamente sôfrego, Kiren Cadien, eis que surgiu, da lança que tirou a vida de Kiren e de Luke, a qual ainda estava atravessada no peito desse último, a luz divina da Senhora Absoluta da Magia, fazendo-se presente, encobrindo tudo e todos, e transportando-os a um local onde nada mais havia senão luz, paz e bem-estar, ou seja, os Campos Elíseos.
sexta-feira, 13 de abril de 2007
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Um comentário:
...estou profundamente irritada com esse maldito elfo negro. U_U
Eu estou relendo o quarto capítulo (como você falou). É bem capaz que eu releia de novo, já que o meu irmão tá falando comigo. ¬¬
Mas, pelo que eu acho, o tempo tem uma ligação com isso, certo? Os trovões e a raiva do elfo e do andarilho...
E aquela parte dos defensores se reerguerem...
...depois de uma atenção com os feridos, os defensores ganham força. Você quis dizer alguma coisa com isso, certo? O número pode mudar, o combate pode mudar, se ajudarmos aqueles que estão feridos...
"Inacreditáveis as surpresas que o destino nos reserva, não é ?"
Dörun foi um aliado e amigo do Kiren. Mas, era apaixonado por uma clériga de Shar.
Certo...estou falando coisas que você já sabe. XDD Mas, é que eu estou tentando compreender a históra e ver se não estou deixando passar muita coisa. XD
E eu acho que você, como eu, quer por um sentido por trás de tudo isso, certo? XP
Estou adorando a história. Ela mexeu com a minha raiva nesse último capítulo.
Kisses for you!
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